quarta-feira, 10 de junho de 2009

Laura assemelha-se.

Estou preparando um ensaio para minha matéria de fotografia na faculdade e tenho como tema crianças abandonadas, ou que se abandonaram...que seja.
Saí para o meu primeiro dia de trabalho de campo. Câmera na mão, idéias na cabeça e muitas perguntas no ar: onde ir primeiro? Abordar ou fotografar de longe? Foto colorida para escancarar a realidade ou um p/b básico com um ar melancólico, como se a situação não fosse melancólica o bastante.
Pronto. Avenida Goiás, Praça Cívica, do Trabalhador e Universitária, rua 10 e Paranaíba. Nada. Absolutamente nada.
Já passavam das 22:30 e decidi voltar para casa, mas antes o tradicional X- salada, quer coisa mais prática, suja e deliciosa?!!!!

Surpresa! Encontrei Laura. Rosto familiar...me lembrou tanta gente, tantas crianças, tantos pedidos diários no sinal, na padaria, em todas as oportunidades imagináveis...me lembrou Lya Luft e seu artigo desta semana na Veja “É o fim do mundo”. 

Pele queimada de sol, olhos pretos e grandes, cabelos finos, sujos e amarrados aos “montinhos”com liguinhas coloridas, mãos pequenas, pés menores que o normal..ela era só sorrisos, parecia totalmente alheia á situação. A mãe disse que não comia desde de manha e que estava com uma tosse insistente. Muito bem agasalha, exceto pés e mãos, o que já me deixou satisfeita...como diz minha mãe, vento frio no peito é peneumonia na ceta.

No caminho de volta um silencio constrangedor...acho mesmo que é o fim do mundo.
Existem situações que eu acho que deveriam ser pré-requisitos para a vida, assim agradeceríamos o nosso arroz com feijão, o nosso cobertor de décadas, mas que ainda esquenta como sempre e ainda tem aquele cheirinho só nosso, o dinheiro para o ônibus, as pessoas das nossas vidas...tipo mãe, pai, irmão...pessoas que de vez em quando esquecemos de olhar nos olhos, de agradecer, de dedicar alguns minutos, de conhecer um pouquinho mais. 

No país do individualismo, de gente burra por opção, da necessidade da delação premiada, já que tudo se constrói em cima de vantagens, do filho que mendiga no sinal e vira pai de família, do pai que gasta o pouco que ganha com bebida e vira filho inconseqüente...neste país, as coisas estão prestes á acabar. A idéia de sociedade, igualdade, democracia, política e justica.
Aqui o normal é aquele que se vende por dinheiro ou por perdão, que mente, que insulta, que rouba, que finge não ver.

As milhares de Lauras não estão incluídas nos assuntos do momento. Aviões sobem cheios de promoções e pacotes imperdíveis, aviões caem sem explicações aparentes, banqueiros se safam, delegados se encrencam, silêncios se quebram, alianças se formam, a Xuxa procura um príncipes para Sasha...e eu? O que faço com tanta informação? Tanta coisa importante que não sei ao certo o que posso riscar da minha lista e deixar para depois.

Laura ficou com o pai e a mãe, não é uma criança abandonada, pelo menos pela família. Foi deixada de lado pela imprensa, pelo Estado, pela Xuxa e pela Sasha... pela sociedade.

Resolvi tirar as fotos coloridas, quem sabe não consigo registrar o verde, amarelo azul e branco presentes na vida da minha personagem. 

Estou com uma tosse insistente...mas muito bem agasalha, inclusive pés e mãos.

2 comentários:

  1. Texto Magnífico!! Simplesmente perfeito! Que bela análise da condição social. A sociedade passa por problemas até piores do que os que você citou da "Laura". A India por exemplo é um país de grandes contrastes. Ao mesmo tempo que é riquíssima, é paupérrima. Sabe que nem mesmo dinheiro para cremar os cadáveres (LÁ ISSO É TRADIÇÃO) eles não tem? Por isso, não os cremam e jogam-nos no rio por inteiro. E o rio se contamina e apodrece a água...é nojento. Única coisa rica lá é a cultura... e apenas 10% da população detém a riqueza financeira e econômica. É triste saber disso...mas acredite, muitos ficariam contestes se pudessem ficar na condição de "Laura". A India enfrenta os mesmos desafios comuns às grandes cidades de países em desenvolvimento: conseguir conciliar o crescimento, ordenado sem perder de vista a diminuição dos disparates sociais e demais problemas de urbanização. Abraços!

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  2. Semelhanças....que texto(!) que assemelha-se com o hoje da vida...
    E digo... ainda Querem comparar esta Jornalista.... com os "jornalistas" que virão com a tal decisão(STF).

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